sexta-feira, 15 de dezembro de 2017


A respeito de...

... Os anjos caem quando a serenidade do céu já não lhes convém.
Os anjos caem para nos ensinar a amar, ser livres e a possuir sem dominar.
Os anjos caem porque somos pequenos e urgentes de afeto.
Os anjos caem porque são os pássaros de nossa alma aflita e inconstante que clama seu voo.
Mesmo que lhes quebrem as asas, eles não choram; mesmo que lhes quebrem as asas, eles não gritam; mesmo que lhes quebrem as asas, apenas lamentam-nos em nossas gaiolas, em nossos desacertos, em nossas misérias; e em sua doçura, eles brotam-nos asas e lançam-nos à vida.
E sempre serão livres porque suas asas são etéreas.
Para isso os anjos caem e por isso já não lhes convém a serenidade do céu .
Se sob minhas vestes asas descansam, eu saberei revelá-las àqueles que merecem vê-las, cuja alma é construída de poesia.
© Luciana MS Arraes  04-maio-2014

sábado, 16 de junho de 2012

BLOOMSDAY

Sem ufanismo, mas nosso país esparge excelente literatura. Alguém já listou o número de escritores brasileiros de primeiro time que no decorrer da existência desta nação  produziu obras de referência? Eu não saberia dizê-lo sem antes recorrer a uma pesquisa minuciosa.  Decerto, é inegável a profusão  de grandes obras literárias; podemos arrogar esse mérito.

Quem não tira o chapéu para Machado, Guimarães, Drummond, Graciliano, Aluísio, Autran, Euclides, Gullar, Darcy, R. Fonseca, Cecília, Clarice, Lygia, Rachel, Cora, Carlos, Oswald, irmãos Campos, Sabino, J. Ubaldo, Leminsky, M. Hatoum... enfim, não tem fim.

O que me reportou a esse tema hoje foi uma constatação bem simples: enquanto vemos Joyce aclamado e celebrado na Irlanda e até fora dela, em todo 16 de junho, Suassuna aguarda um reconhecimento.  Um reconhecimento que no seu âmago é a expressão máxima não de um único talento, mas da qualidade de todo um povo.

Se não temos um "Bloomsday", não é por constrição de competência. Talvez por irrelevância? Não sei. Mas nossa produção literária merece exaltação. Podemos vibrar e torcer para que neste ano nossa literatura seja coroada na representação de Suassuna e, assim, com esse "Nobel de Literatura" elegeremos o "DIA DA SAGA DE GRILO E CHICÓ" e faremos dessa efeméride o nosso reconhecimento mais belo e sublime a todos os queridos escritores brasileiros.

E para concluir, hoje 16 de junho, é também aniversário de Ariano Suassuna que completa 85 anos.

por LucianaMSArraes, 16-06-2012

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Reinvenção


ilustração de Paulo Galindro
Não presto-me a viver horas indigentes, carentes de chuvas, ausentes de ventos;
Não presto-me a fechar os olhos aos estilhaços dos vidros que não se quebram por não ser o momento da pedra;
Não ouso aquietar-me no conforto das redes de vime que nos roubam o rompante do salto;
Não estou aqui para contemplar o movimento alheio quando duzentos degraus me convidam à rua.

Um dia temos 20, no outro 70 e o amanhã é quase agora.

Embalei o descuido em caixinhas pequenas fáceis de esconder;
Retirei das gavetas toda a poeira passada, as moedas esquecidas, as traças gordas e os agasalhos furados.
Joguei fora tantos fardos!
Ignorei a saudade do que não vivi, a espera aguardada de todas as curas, a ilusão de um dia melhor.
E pus-me a correr pelos parques da cidade sem lembrar de antigos amantes não mais legatários de minha memória.

O que vejo, o que sinto só pertence a mim.

Reverencio senhorinhas de olhares brilhantes, percebo babás distraídas em sonhos, leitores de almanaques antigos.
E sobre os cachorros... de todos os tipos - legítimos donos de gente!
Mas o melhor de tudo: reinvento a paixão na vida que dormitava.
E corro e corro com a euforia da endorfina.

Quanto prazer há na pulsação de uma corrida!
Quanto sabor na confiança de ser única.
Só isso basta.
Porque neste instante é tudo que preciso.

O resto deixo para o amanhã que será quase agora. 

Luciana - 20-04-2012 

sábado, 24 de março de 2012

Poetas do cinema

Quando abrimos nosso coração à arte e à beleza das coisas, o prazer que extraímos disso é tão grande que a vida em todas as suas esferas mostra-se-nos simples e fácil de seguir. Nesses momentos as complicações desaparecem e deixamos-nos acreditar que há uma história maravilhosa por trás da realidade em que cremos viver.
O final triunfante de Georges Méliès em "A invenção de Hugo Cabret" é tão merecido que deveria ter sido a trajetória natural de sua vida e carreira. Se nesse nosso mundo tão carente de comiseração sua vida não se concluiu assim, Scorsese conseguiu presentear-nos com essa realidade paralela colocando Méliès merecidamente no lugar que lhe é devido.
O cinema é feito de magia, como descobriu Méliès, e Scorsese em sua admiração por esse mestre, soube coroá-lo com tamanha sensibilidade capaz de elevar nossas almas (é como quando Orfeu entra no submundo tocando sua cítara. Ele é a realidade desconhecida que encanta as almas sofridas).
Assim, por duas horas Scorsese delicia-nos com essa outra realidade fantástica que se faz escondida em nosso mundo tão frágil e cruel.

Luciana - 24-03-2012



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Rockies


Quem pode dizer se há paixão melhor do que ARTE, MONTANHAS e SEXO?
 
- Mantiqueira: a síntese dessa tríade.
- Mantiqueira - com seus cumes pontiagudos barrocos
desdobrando-se em intervalos frequentes
convidando-me a explorá-los;
endurecendo minhas coxas com seus desafios cônicos,
erguendo-se em sua virilidade de homem que a tudo domina.

- Não há prazer maior nesse trígono de Estados.

E o que dizer de suas águas geladas, intocadas e abençoadas
por orixás tão certos de sua beleza?
Seus animais fugidios num território
onde não se avistam fronteiras;
seus pássaros selvagens que desdenham de suas asas
para permanecerem fincados em sua redoma mágica.

Fazer-me parte dela é a volúpia da alma.

Que Iansã, dona das paixões - rainha dos raios, furacões,
vendavais e da brisa que alivia o calor,
conduza-me sempre a elas: Montanhas
de rochas graníticas, metamórficas e gramíneas douradas
- Mantiqueira de tantos elementais, de tantas estrelas
e de uma mulher que sabe amá-la.
Luciana, Maio de 2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS EM PAUTA



Há seriedade na escolha dos membros da Academia Brasileira de Letras? Perguntei-me isso quando a obra de Paulo Coelho garantiu-lhe uma cadeira estofada na Academia, como se a falta de opções fosse o indicador para a escolha de um autor de livros de auto-ajuda. Sim, porque por mais que ele rejeite, essa pecha parece-me bem adequada; eu conheci pessoas que disseram ter mudado o rumo de suas vidas após ler “Diário de um Mago” ou o “O Alquimista” – não questiono se foram motivadas pela ausência de sanidade intelectual ou capacidade de análise, mas o fato é que elas formam o escopo dos “necessitados” responsável pelo fenômeno de vendagem.
A Academia Brasileira de Letras foi fundada em 20 de julho de 1897 e tem por fim o cultivo da língua e a literatura nacional. Seguindo o modelo da Academia Francesa é composta por 40 membros efetivos e perpétuos, eleitos em votação secreta e 20 sócios correspondentes estrangeiros. Quando um Acadêmico falece, a cadeira é declarada vaga na Sessão de Saudade e a partir de então os interessados dispõem de um mês para se candidatarem.
O estatuto da ABL estabelece que para alguém candidatar-se é preciso ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário.
A motivação que me remeteu à Academia e seus Imortais nesta postagem adveio do Prêmio Luis de Camões – o mais importante prêmio literário da língua portuguesa recebido merecidamente por Ferreira Gullar em 31 de maio deste ano.  Como mostra a matéria de hoje do IG - Último Segundo, aqui reproduzida, foi preciso um prêmio desse quilate para a ABL “ver com bons olhos” a candidatura de Ferreira Gullar. Será que a ABL se sentiu em uma saia-justa por não tê-lo reconhecido até hoje? O irônico é que não há vaga para ele, como também não há para Antonio Cândido, Autran Dourado e Rubem Fonseca, que tiveram suas obras reconhecidas por este mesmo prêmio Luis de Camões, considerado o "Nobel" da língua portuguesa. Será que é por isso que “O ROMANCE MORREU”, Rubem Fonseca?

“SOB APLAUSOS, FERREIRA GULLAR RECEBE PRÊMIO CAMÕES
Diante de um auditório lotado, que o aplaudiu de pé, na Biblioteca Nacional, no Rio, o poeta maranhense Ferreira Gullar recebeu ontem o diploma do Prêmio Camões 2010 das mãos do presidente do Instituto Camões, Adriano Jordão. Trata-se do prêmio literário mais importante entre os países de língua portuguesa, que entrega 100 mil euros. O Prêmio Camões foi criado em parceria por Brasil e Portugal no ano de 1989 e tem em sua lista de ganhadores os respeitados nomes brasileiros como João Cabral de Melo Neto (1990), Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), Antônio Candido (1998), Autran Dourado (2000), Rubem Fonseca (2003), Lygia Fagundes Telles (2005) e João Ubaldo Ribeiro (2008). (Alguns nomes não haviam sido citados e foram acrescentados por mim)
Emocionado e cercado de amigos, Gullar, de 80 anos, agradeceu dizendo que escreve "para o outro". "O sentido da vida é o outro, é o outro que dá sentido ao que a gente faz. Quando o reconhecimento chega nesse nível, a gente vê que valeu a pena."
Compareceram vários integrantes da Academia Brasileira de Letras. A casa vê com bons olhos a candidatura de Gullar. No momento, não há vagas.” (IG – Último Segundo – 17-09-2010) - LucianaMSArraes 17-09-2010

sábado, 4 de setembro de 2010

HOJE - 3 DE SETEMBRO - EXATAMENTE HÁ 251 ANOS ATRÁS


EUROPA - SÉCULOS XVII E XVIII -
Neste período um conjunto de progressos se desenvolve no contexto do movimento das idéias - O Iluminismo - primado da razão - é uma atenção especial àquilo que é a natureza, rejeitando explicações metafísicas para ocupar-se de investigações físicas e racionais. É no contexto do Iluminismo europeu que uma série de reformas políticas e administrativas mudou o rumo da história da educação em Portugal e nas suas colônias.
PORTUGAL - TRÊS DE SETEMBRO DE 1759 -
O Rei é D. José I, mas quem comanda o país é o Primeiro Ministro Marquês de Pombal e pela promulgação de uma lei determina a expulsão dos jesuítas de Portugal e de seus domínios. Eles não mais participariam da vida da metrópole e das colônias; assim instauram-se as Reformas Pombalinas na Educação substituindo o sistema de ensino dos padres da Companhia de Jesus, vigente há 210 anos, por um sistema moderno de caráter útil e aplicado, mais de acordo com o novo ideário iluminista. Na Universidade de Coimbra monta-se o projeto de Reforma Educacional que abrange todo o currículo escolar tendo como grande novidade a introdução das ciências modernas. Como exemplo, os estudos de gramática deixam de ser em latim para serem feitos na língua materna. O professor deixa de ser aquele que apenas leciona e passa a ser o pesquisador-inventor, aquele que investiga a natureza e incorpora seus achados à sua disciplina.
Marquês de Pombal fortalece o poder central e implanta as doutrinas do Despotismo Esclarecido, que nivela todas as classes face ao Rei, ou seja, dos membros da alta nobreza aos jesuítas, muitos sentiram o peso do Despotismo Esclarecido, sendo banidos, punidos, torturados e executados.
A crítica pombalina à Educação Jesuítica – centrada na escolástica que une Aristóteles à São Tomás de Aquino é voraz. A teologia não mais ocuparia o lugar central.
Na visão pombalina, a Companhia de Jesus emperrava o desenvolvimento de um conhecimento embasado na ciência e na investigação. Com sua expulsão o Governo português estatiza o ensino e implanta as idéias iluministas. Assim, a educação passa a ser laica e de responsabilidade do Estado. Contudo, o grande problema é que não havia professores suficientes e adequadamente preparados para assumir o lugar dos jesuítas. Esse impasse educacional o Estado não conseguiu contornar. Nos será familiar essa situação? LucianaMSArraes, 03-09-2010

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

UM CANTO ESPECIAL

Chegou Agosto finalmente! Sempre espero esse mês porque com ele, além das breves floradas das cerejeiras, ressurge triunfante o Sabiá-laranjeira com seu canto inconfundível e majestoso. Neste ano ele se fez presente na madrugada do dia 8; eram 4:30 da manhã quando acordei com um sabiá cantando próximo à minha janela. Seu canto é longo e melodioso, assemelhado ao som de uma flauta e pensei se seria o mesmo pássaro de outros anos. Soube que sua longevidade chega a trinta anos, que é territorial e que canta para estimular as fêmeas a fixarem sua morada, mas que quando não estão na fase do "fogo" em que a libido está em alta, ou em processo de choco, quase não cantam. Tenho observado ao andar ou correr pelo bairro de manhãzinha que em São Paulo a população de Sabiás é bem grande como também a variedade de dialetos de seu canto. Os entendidos em Sabiás identificam variados cantos como o "cai-cai-balão", o "to-to-ito" e o "piedade". Ainda tem o "peruzinho", em volume baixo quando está com raiva, assim: siri-fririri-serere-siriri-friri-sriri.... às vezes dura mais de dois minutos e o emite para mostrar sua valentia ao rival e se for o caso partir para as vias de fato; a "castanhola", assemelhado a um tá-tá-tá-tá, também é um canto provocativo; a "corrida", em um volume alto, muito emitido no início do acasalamento serve para marcar o território e desafiar pretensos rivais - seria um til-til-til-til-til-til bem forte; e o "miado", parecendo um gato, canta "minhau" "minhau" várias vezes, é o sinal de sua presença para a fêmea. Parece um pouco "viagem" desses entendidos mas é uma boa maneira de lembrarmos seus cantos. O da minha janela faz claramente fiui-fiui-fon-fon-firi-firi-firi-fon-fon-fiui e apelidei seu canto de "carrilho", como o de Altamiro. É assim que nosso inverno vai ficando mais sonoro e divertido. Descubra também seu Turdus rufiventris, ou seja seu Sabiá-laranjeira! 

Luciana -  09-08-2010
 

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

PERFUME


Finalmente ela retornava a casa. Subiu lentamente os degraus da entrada buscando extrair cada detalhe perdido em seus cinco anos de ausência. Observou a vizinhança, notou os tijolos descascados, cachorros desconhecidos e toda novidade contribuía para sua certeza de recomeço. Parou sobre o tapete de entrada que lhe recepcionava: “Bem Vinda!”. Girou a maçaneta, tirou os sapatos e pisou delicadamente no carpete. Adentrou. Aromas de naftalina e mofo lhe eram essências mágicas naquele momento. Cheirou seu frasco de perfume que trazia sempre consigo e borrifou por toda a sala. Ela e seu perfume! Único companheiro que tivera durante seu retiro. Seu lar, sua vida recuperada, sem loucuras e devaneios. Não mais veria a menina que lhe convenceram, através de “terapias” diversas, não existir. Agora eram ela e seu perfume. Seu perfume tão cobiçado por todas as suas “amigas”. Mas pertencia a ela – só a ela, só dela! Quem teria mantido arrumada a casa? Já não se lembrava mais. Mas tinha a memória da paineira plantada por seu pai pouco antes de sua morte quando ela era ainda pequena; a morte do pai, a revolta da mãe que a culpava e a machucava eram agora lembranças sem peso. Afinal lhe garantiram que sua mãe a amava também. Mas e o perfume? Disseram-lhe que foi um acidente. Mas então por que tanto ódio? Como pode uma mãe queimar sua própria filha por ter derramado seu frasco de perfume? Definitivamente era uma mulher perturbada, diziam-lhe. Mas então não há menina? Aquela outra que espalhou pelo chão todo o perfume? Definitivamente não! Tudo isso agora era passado. Era seu momento de felicidade. Abriu a cortina da sala e lá fora estava ela. Paineira adulta, carregada de cabaças marrons explodindo em algodões que seu pai lhe afirmava serem tão brancos como o doce que ele lhe comprava na infância. Aprazia-se desse instante perfeito, sutil quando um barulho de vidro quebrando vindo do quarto roubou-lhe a atenção. Havia mais alguém na casa. Quem seria? Dirigiu-se ao quarto e para sua surpresa diante de si encontrava-se postada a menina. Impossível! Ela não existia... Mas seu olhar irônico era tão real! Sim, a menina sempre estivera ali na sua ausência. Claro, era ela quem mantinha limpa a casa. Por que sorria? Como se pareciam. O mesmo cabelo escuro cacheado, o mesmo corpo magro e quase o mesmo sorriso somente diferenciado pelo escárnio da menina. Teriam confundido as duas? Responsabilizado a menina errada? Não, ninguém a tinha visto. Agora ela compreendia que duvidavam de sua palavra não porque mentia, mas porque não encontraram a menina; ela havia se escondido sob a cama. “Deveriam tê-la levado e não a mim!”. Diante do toucador a menina se penteava e encimado na cômoda, cacos de vidro que não retinham mais a deliciosa fragrância. Ela precisava que alguém visse a menina. Precisava provar sua inocência. Num rompante segurou-lhe firmemente o braço frágil, como sua mãe fazia consigo. Não podia deixar que a menina escapasse, precisava levá-la dali. Por sua vez, a menina gritava-lhe que não era possível, que não daria certo, mas arrastada foi sendo retirada para fora da casa e com dificuldade pela resistência da menina foi rompendo os degraus até a calçada. Pronto! Ela estaria salva. Um homem que parecia de outra época, sentado num banquinho enrolava um cigarro de palha. Seria fácil. Mostrar-lhe-ia a menina e todos acreditariam nela! O homem ao vê-la sorriu. Um sorriso doce de alguém que a conhecia, que se lembrava dela, que fazia pipas para ela. Ela hesitou e como que lhe adivinhando a dúvida quis confirmar-lhe: - Sou eu, Messias, não me reconhece? – Claro, ela o reconhecia – mas o que havia de errado? Reconhecia seu olhar azul-petróleo, seu queixo prógnato, mas era só. Messias tinha menos de quarenta anos e aquele homem com sua cabeleira branca, sulcos profundos no rosto e desequilibrado no banco pela escoliose acentuada, aparentava não menos de noventa. Não compreendia. Que dimensão era essa que carecia de sentido? E ela olhava para ele e olhava para a menina e novamente para ele e para a menina que a avisava que não adiantaria. E como que compreendesse num vislumbre o significado de sua existência, soube que não ficara somente cinco anos no sanatório, mas uma vida inteira. Era mesmo o Messias e ele não viu a menina. Nunca ninguém a viu. Luciana MS Arraes - 04-08-10 (ilustração de Flávio Beicker-2001)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O BEIJO

O "beijar a mão" de uma mulher é um ato hoje tão distante do comportamento trivial masculino que quando um homem assim procede nos confundimos um pouco. Por sermos pegas desprevenidas há um ligeiro atrapalhar-se; tentamos um sutil shaking hands, mas por sorte ainda somos delicadas para corrigir a tempo e estender nossa mão com finesse. Interiormente, a vontade é de repassar a cena e refazer tudo corretamente do início ao fim, de modo a nos comprazermos desse momento exclusivo de lisonjas. Podem indignar-se os modernos, os despretenciosos ou as feministas radicais, mas o ideal de cavalheirismo ainda tem seu charme. Luciana MS Arraes - 23-07-2010

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Porque Hemingway


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Muitas datas importantes passam despercebidas por mim, mas curiosamente sempre no dia 21 de julho penso em Ernest Hemingway e me dou conta de que é a data de seu aniversário de nascimento. Faria hoje 111 anos.
Nomeei meu Blog há dois anos com uma obra sua. “O sol também se levanta”, (estou com ela em mãos). Um romance que li e reli no passado. O que me atrai em Hemingway é que ele mergulha fundo nos conflitos mais corriqueiros do ser humano e parece ler nossos sentimentos e angústias. É tão maravilhoso em seu estilo seco e preciso e em sua técnica magistral de usar conjunções diversas em rápida sucessão (como em "ele correu e pulou e riu de alegria"), para transmitir uma variedade de efeitos, como aumentar ou diminuir o ritmo da prosa.
Não admiro completamente sua biografia, como seu gosto pelos esportes radicais de sua época – afinal ele era louco por touradas e safáris na África. Dizia que passava boa parte do tempo atirando nas feras para não ter que atirar em si mesmo. No final de sua vida foi o que ele fez.
De qualquer forma, era outra época e independentemente de suas preferências esportivas ele esculpiu com mãos de mestre na solidez das palavras grandes histórias a partir de temas simples do cotidiano.

Em “O Sol Também se Levanta”, Hemingway retrata um grupo de expatriados boêmios, ingleses e norte-americanos, após o término da Primeira Guerra Mundial chegando a Pamplona, durante a “Fiesta de Sanfermin”, onde são introduzidos à estética das touradas. No meio da alegria que antecede o retorno ao marasmo habitual, uma sofrida história de amor se desenrola entre um impotente mutilado de guerra e uma ninfomaníaca. É empolgante o sentido humano com que ele narra às desilusões desse grupo de "exilados".

Não me estenderei porque meu propósito não é tecer aqui críticas e resenhas aos seus livros, mas expressar o prazer que sinto ao lê-lo e suscitar a importância literária da “Geração Perdida” através da memória de Ernest Hemingway.

Luciana MS Arraes, 21 de julho de 2010